Autismo leve: um diagnóstico libertador

Sei como é terrível para pais receber o diagnóstico de autismo do filho/a. É olhar para o futuro com medo do que virá, do que será possível ou não. Um ...

Sei como é terrível para pais receber o diagnóstico de autismo do filho/a. É olhar para o futuro com medo do que virá, do que será possível ou não. Um luto. Mas para a maioria das pessoas diagnosticadas já adultas (que quase sempre serão autistas leves, grau 1) ele representará libertação, autocompreensão e autoaceitação.

Comigo não foi diferente. Depois do diagnóstico e de aprofundar estudos sobre o assunto, consegui finalmente entender minhas características, dificuldades… e também minhas potencialidades. Descobri que não era inadequada ou incompetente, era neurodiversa.

Costumo dizer que sou mais pragmática que planilha de excel. Assim sendo, vejo diagnósticos como ferramentas. Não algo em que devamos nos “congelar”, que passe a nos definir. Até porque o autismo são vários né? Mas é um caminho para estudos específicos, que podem nos ajudar na autocompreensão. Quanto mais aprendemos sobre o nosso quadro, melhor conseguimos lidar com ele, com nossas tendências e dificuldades.

No autismo leve em mulheres a importância do diagnóstico já seria gigante apenas por uma questão que descobri recentemente: sem isso, elas terão um risco mais do que dobrado de sofrer abusos sexuais durante a vida. Risco esse que poderia ser muito reduzido com educação sexual especializada e psicoterapia… Mas sem o diagnóstico isso não acontecerá.

Autistas têm voz, e ela precisa ser respeitada.

Eu achava que depois do diagnóstico ia sair lendo tudo que encontrasse sobre o assunto. Mas não. Me vi pensando que não queria ler o que teóricos já tinham falado (e está sempre sendo revisto) sobre autismo. Queria saber o que autistas pensavam sobre si mesmos. Então comprei O cérebro autista, da maravilhosa Temple Grandin. Tudo o que eu precisava saber está lá.

Temos muito o que dizer sobre nosso quadro, nossas dificuldades, nossas potencialidades. Mas somos bem pouco ouvidos. Profissionais não nos incluem em suas pesquisas e estudos. Seus questionários se dirigem apenas aos cuidadores, como se nenhum autista fosse capaz de falar por si. Isso precisa mudar. A visão de outra pessoa, por mais atenta e amorosa que seja, será sempre uma visão “de fora”.

Autistas adultos com bom nível de comunicação podem ajudar muito na compreensão de questões do espectro. Seus incômodos, mecanismos etc serão muito semelhantes aos de autistas com comunicação reduzida. E por conseguir percebê-los melhor e ter a capacidade de explicá-los, podem auxiliar demais cuidadores de autistas severos – assim como profissionais da área – a lidar melhor com as dificuldades cotidianas.

O que mudou com o diagnóstico,

Entender que meu cérebro funciona um pouco diferente do das outras pessoas foi especialmente incrível. Esclareceu muita coisa, e acabou facilitando minhas interações. Compreender as hipersensibilidades também foi importante demais, em especial por me fazer perceber que às vezes uma irritação enorme que surge de repente… é apenas fome, ou frio, ou incômodo com um ruído alto. E tudo isso pode ser administrado.

Também passei a respeitar mais meus limites e meus incômodos. Entendi que se fico muito ansiosa com a ideia de ir num evento público, pode significar que naquele dia estar em um lugar lotado, com mil cores, cheiros, barulhos etc não será bom para mim. Será demais. Compreendi que situações sociais me cansam mais do que o comum, que minha necessidade de silêncio é maior do que a da maioria das pessoas, que meu humor oscila muito… E está tudo bem.

Por outro lado, também descobri que posso ter mais confiança na minha capacidade de observação de detalhes e em tudo que ela me faz perceber. Confirmei que minha memória é excelente para temas do meu interesse. (Os hiperfocos… Na infância foi a mitologia grega, na vida adulta, música e medicina alternativa, hoje a medicina canábica em especial.) Percebi que detecto erros mais facilmente, por enxergar padrões em tudo e perceber as falhas neles de imediato. E isso me ajuda em meu trabalho como tradutora.

Concluindo…

Hoje tenho orgulho do meu autismo. Não falo muito nisso porque fico com medo de ofender mães de autistas severos, para quem uma frase dessas não faria sentido. (Esse é um dos problemas da inclusão do Asperger no espectro autista…) Mas tenho. Porque é o que me torna única, é o que me faz pensar como penso, enxergar o mundo como enxergo.

Não é fácil, nem de longe. Foi doloroso demais para mim até o tratamento com cannabis me trazer mais equilíbrio, menos depressão e ansiedade, mais foco, menos irritação. É o que me causa problemas em interações, em manter relacionamentos ou empregos, gera imaturidade emocional e conflitos eternos. Ou seja, nada que devesse – como vemos acontecer agora – virar uma “modinha” ou algo que alguém queira ter/ser. Mas é quem eu sou, é o que me torna especial.

Como a Temple Grandin explica no TED-X “O mundo precisa de todos os tipos de mente”, nossos cérebros autistas também são necessários para o planeta. Seja no ativismo ambiental de uma Greta Thunberg, seja pelos artistas incríveis no espectro, seja pelo trabalho de matemáticos, teóricos, programadores e todas as outras profissões em que podemos ser muito bons.

Na realidade, o problema não é ser autista, é a falta de uma maior compreensão da neurodiversidade pela sociedade, para que possamos enfrentar menos preconceito e problemas sociais. É isso que tem que mudar.

A única tristeza que senti depois do diagnóstico foi ao pensar no que poderia ter sido a minha vida se não tivesse precisado investir tanto do meu tempo e energia em tentar me adaptar, ser “normal”. Se em vez disso eu tivesse me aceitado diferente e focado em desenvolver minhas potencialidades, talvez tivesse ido muito além.

Como “e se” é o que não foi… não adianta pensar nisso. Não para mim. Mas quero levantar essa discussão, para que outros autistas leves, mais jovens, pensem nisso. Precisamos lutar por mais aceitação das diferenças. Da neurodiversidade.

Vamos juntos!

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Bárbara Gael é tradutora, pesquisadora e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Criadora do grupo Tratamento com cannabis, acolhimento e informação, no facebook. E é autista.

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