Sou autista leve, diagnosticada tardiamente, aos 50 anos. Passei metade da vida tentando controlar as comorbidades desse quadro (como o Transtorno de Ansiedade Generalizada e Depressão que tenho desde adolescente) com vários medicamentos de uso psiquiátrico, sem nunca conseguir controle do quadro. Até que, dois anos atrás, comecei o tratamento com óleo de cannabis, que finalmente me equilibrou. Mas disso falarei no próximo texto para o blog da Olhar Verde. Hoje escrevo para inaugurar esta coluna. Nela, autistas, familiares e profissionais da área falarão sobre vários aspectos relacionados ao Transtorno do Espectro Autista, buscando trazer ao público mais esclarecimento sobre esse quadro tão amplo e complexo.
A visão que a sociedade tem de autismo se alterou bastante ao longo das últimas décadas. Quando eu era criança, praticamente só era diagnosticado quem tinha autismo severo ou moderado, com muitas estereotipias, crises sensoriais etc. (E havia pouca esperança de melhoras efetivas.) De lá para cá isso vem mudando. A compreensão do espectro e de suas características foi sendo ampliada. E a complexa inclusão da síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro Autista, em 2013, intensificou esse processo.
Atualmente se sabe que o continuum do espectro autista abrange desde pessoas com QI muito acima da média até as que têm sérias dificuldades cognitivas. Vai de crianças com transtornos sensoriais intensos que batem a cabeça na parede até sangrar… a adultos que levam uma vida considerada normal por quem vê de fora. De pessoas que praticamente não se comunicam a outras falantes, criativas, orientadas. Dos que precisam de cuidado constante aos que podem aprender a ser independentes.
Por outro lado, ainda existem muitos mitos sobre o autismo. Eles precisam ser desfeitos, para uma melhor compreensão do transtorno pela sociedade. (E também porque atrapalham muito os autistas leves a chegar no diagnóstico.) Por exemplo: nem todo autista é desprovido de empatia – alguns podem tê-la até em excesso, e sofrer com isso. Nem sempre serão organizados ou bons em matemática. Nem todos são incapazes de olhar no olho ou têm problemas para se comunicar. Muitos não apresentarão movimentos repetitivos ou crises sensoriais intensas. E a lista segue…
Não há um padrão único.
Há pessoas. E diagnósticos não definem pessoas.
Antes de mais nada, o autismo tem graus. Leve, moderado e severo. (Profissionais da área têm usado grau 1, 2 e 3; acho péssima ideia, pois números não ajudam tanto na compreensão da intensidade do quadro quanto palavras.) Contudo, como gente não é tudo igual, não pode ser encaixada assim em rótulos, muitos serão ditos “moderado-severo” ou “leve-moderado”. Suas dificuldades, potencialidades, comorbidades etc. são individuais, gerando exigências de cuidado, rotinas e níveis de independência distintos.
Autistas leves homens e mulheres também podem ser bem diferentes. As mulheres tendem a ter mais necessidade de interação social, e isso gera o chamado “mascaramento”. Adotar (desde a pré-adolescência, aproximadamente) posturas, falas, expressões faciais e corporais de outras pessoas por perceber que são mais bem aceitas que as suas. Atualmente profissionais da área já dizem que talvez a diferença de número entre autistas homens e mulheres se deva a isso. Por se “disfarçarem” desde cedo e apresentarem menos estereotipias, as mulheres são menos diagnosticadas. Assim sendo, se os critérios de avaliação fossem revistos e incluíssem as características específicas femininas, o número seria quase igual.
Também é importante pensar nas histórias de vida e nas condições de cada um. Isso faz toda a diferença. Um autista com acesso desde bem cedo às terapias necessárias, como fonoaudiologia, integração sensorial etc., terá um desenvolvimento melhor que aquele que não teve. O nível de apoio da família – se ela é acolhedora, carinhosa, incentivadora ou não – também fará muita diferença. E os traumas que a pessoa sofra pela vida afora também a marcarão.
Além disso existem ainda as comorbidades de cada autista. Por exemplo: uma criança autista com Transtorno Opositivo Desafiador crescerá muito diferente de uma que não tenha essa condição. O TOD gerará alterações na forma como ela se relaciona, como vê o mundo e se coloca nele. (E pode gerar bons ativistas, muito necessários ao mundo – isso se não forem medicados, e assim “controlados” quimicamente…) Ter ou não ter Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade também faz diferença. E por aí vai, porque as comorbidades possíveis são inúmeras.
Enfim… o autismo são muitos. Falaremos de todos eles nesta coluna. Mas já com uma certeza: o tratamento com óleo de cannabis é a melhor alternativa para todos. Porque não é agressivo para o organismo como os medicamentos comumente receitados pelos médicos. E por ser o único que age ao mesmo tempo no humor, na irritação, no sono, no apetite, na ansiedade, no foco, na redução de incômodos sensoriais. Isso fará uma diferença gigante na qualidade de vida do autista – e de toda a família.
E você, qual é a sua experiência com autismo? Me conte nos comentários, quero muito saber da vivência de cada um. A minha é a do autismo leve, e sei que ela é bem diferente da experiência de quem cuida de alguém com autismo severo.
Semana que vem a Olhar Verde vai publicar aqui no blog o meu depoimento, contando toda a trajetória até o diagnóstico de autismo leve. E tudo o que isso mudou na minha vida – já adianto que para melhor.
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Bárbara Gael é tradutora, pesquisadora e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo. Criadora do grupo Tratamento com cannabis, acolhimento e informação, no facebook. E é autista.