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5 endocanabinoides produzidos pelo corpo humano

Dentro do nosso corpo existem susbstâncias químicas chamadas endocanabinoides que são produzidas de forma natural e também são muito semelhantes às encontradas na Cannabis ...

Você sabia que o nosso corpo produz substâncias que interagem com os mesmos receptores que o CBD e o THC? Entenda como os endocanabinoides funcionam e por que eles são tão importantes para os efeitos terapêuticos da Cannabis medicinal.

Sumário

1. O que são endocanabinoides?
2. Endocanabinoides análogos
2.1. Anandamida
2.2. 2-AG
2.3. Outros endocanabinoides
3. Conclusão
4. Bibliografia

1. O que são os endocanabinoides

Endocanabinoides são substâncias químicas produzidas naturalmente pelo corpo humano que atuam como neurotransmissores, transmitindo sinais entre as células nervosas. Eles fazem parte do Sistema Endocanabinoide (SEC), um sistema biológico essencial para a regulação de funções fisiológicas e manutenção do equilíbrio interno (homeostase).

O sistema endocanabinoide foi descoberto apenas na década de 1990, o que o torna um dos sistemas fisiológicos mais recentemente identificados. Esta descoberta revolucionou nossa compreensão sobre como o corpo regula inúmeros processos biológicos e abriu novos caminhos para intervenções terapêuticas baseadas na modulação deste sistema.

Relação com fitocanabinoides encontrados na planta Cannabis sativa:

Os endocanabinoides interagem com os mesmos receptores que os fitocanabinoides (como THC e CBD) presentes nas flores da planta Cannabis sativa, o que explica muitos dos efeitos terapêuticos da cannabis medicinal. Esta interação permite que compostos derivados da planta Cannabis "imitem" ou modifiquem a sinalização natural do Sistema Endocanabinoide, potencializando ou regulando suas funções.

É importante notar que, enquanto o THC se liga diretamente aos receptores CB1 e CB2 como um agonista parcial, o CBD tem uma interação mais complexa, atuando principalmente como modulador alostérico (termo usado para descrever a interação entre sítios diferentes de uma enzima ou receptor) que influencia indiretamente a atividade endocanabinoide e interage com outros receptores além do sistema endocanabinoide.

Funções Principais:

  • Regulação do Humor e Emoções: Influenciam o humor, o estresse e a ansiedade. Estudos demonstram que níveis alterados de endocanabinoides estão associados a diversos transtornos de humor, como depressão e ansiedade generalizada.
  • Controle do Apetite e Metabolismo: Afetam a fome e o gasto de energia. Os endocanabinoides estimulam o apetite através da ativação de receptores hipotalâmicos específicos, promovendo a sensação de fome mesmo após a alimentação. Esse mecanismo está diretamente relacionado ao que popularmente se conhece como "larica" associada ao uso de cannabis.
  • Modulação da Dor: Reduzem a percepção da dor através de múltiplos mecanismos, incluindo a inibição da liberação de neurotransmissores excitatórios em vias nociceptivas e a ativação de vias inibitórias descendentes.
  • Memória e Aprendizado: Participam na formação de memórias e na plasticidade cerebral. A sinalização endocanabinoide no hipocampo e outras regiões cerebrais relacionadas à memória é fundamental para a supressão de memórias aversivas, um processo essencial para a recuperação de traumas psicológicos.
  • Funções Imunológicas: Regulam respostas inflamatórias e imunológicas, inibindo a produção de citocinas pró-inflamatórias e modulando a migração de células imunes.
  • Função Reprodutiva: Influenciam processos reprodutivos desde a fertilização até o desenvolvimento embrionário e parto.
  • Neuroproteção: Protegem o sistema nervoso central contra danos por excitotoxicidade e estresse oxidativo, um mecanismo relevante para doenças neurodegenerativas.

Como Funcionam:

Os endocanabinoides se ligam aos receptores canabinoides (principalmente CB1 e CB2) presentes em diferentes partes do corpo:

  • CB1: Principalmente no cérebro e no sistema nervoso central, regulando o humor, a dor e o apetite. Estes receptores são os mais abundantes receptores acoplados à proteína G no cérebro humano, com concentrações especialmente altas no córtex cerebral, gânglios basais, hipocampo e cerebelo.
  • CB2: Encontrados predominantemente no sistema imunológico e em órgãos periféricos, modulando a dor e a inflamação. Sua ativação está associada à redução da liberação de mediadores inflamatórios e à supressão da atividade de células imunes.

2. Endocanabinoides análogos

Mas o que são endocanabinoides análogos?

Na biologia, o termo "análogo" quer dizer que algo tem função semelhante, mas de origem distinta. Para entender melhor o contexto, voltemos um pouco no tempo, quando os fitocanabinoides começaram a ser estudados.

Em 1963 o pesquisador Raphael Mechoulan (5 de novembro de 1930 – 9 de março de 2023) um químico orgânico israelense, conseguiu isolar a molécula CBD e posteriormente, em 1964, isolou a molécula THC da planta Cannabis. Este trabalho pioneiro estabeleceu a base científica para a compreensão moderna da cannabis e seus componentes ativos.

Em 1992, Mechoulan iniciou outro projeto de pesquisa que levou ao isolamento de duas moléculas endógenas, a Anandamida e o 2-AG (2-araquidonoilglicerol) que exerciam a função análoga à de fitocanabinoides conhecidos por ele. Esta descoberta foi revolucionária, pois demonstrou que o corpo humano possuía um sistema próprio que interagia com compostos semelhantes aos encontrados na cannabis.

2.1. Anandamida

Também apelidada de "molécula da felicidade", é considerada análoga ao THC porque ambos se ligam diretamente aos receptores CB1 no cérebro, modulando o humor, o apetite e a percepção da dor de maneira semelhante. Eles compartilham uma afinidade funcional com os mesmos receptores, gerando efeitos relacionados ao bem-estar e à euforia, embora a Anandamida tenha um efeito mais sutil e de curta duração.

O nome "anandamida" deriva da palavra sânscrita "ananda", que significa "felicidade" ou "bem-aventurança", refletindo seus efeitos sobre o humor e bem-estar. Estruturalmente, é um derivado do ácido araquidônico, um importante ácido graxo poli-insaturado.

A anandamida tem uma meia-vida curta no organismo (aproximadamente 5 minutos) devido à rápida degradação pela enzima FAAH (hidrolase de amida de ácidos graxos). Esta degradação rápida é uma das razões pelas quais seus efeitos são muito mais transitórios comparados aos do THC. Atualmente, inibidores da FAAH estão sendo pesquisados como potenciais medicamentos para diversas condições, incluindo dor crônica e transtornos de ansiedade.

Além de seus efeitos no sistema nervoso central, a anandamida também desempenha papéis importantes durante a implantação do embrião e no desenvolvimento fetal, sugerindo funções regulatórias que vão além da neurotransmissão.

2.2. 2-AG (2-araquidonoilglicerol)

Tem função semelhante ao THC (tetra-hidrocanabinol) e é o endocanabinoide mais abundante no cérebro. Ele se liga tanto aos receptores CB1 quanto aos CB2, modulando dor, apetite, resposta imune e processos inflamatórios.

O 2-AG é sintetizado principalmente pela enzima diacilglicerol lipase (DAGL) e degradado pela monoacilglicerol lipase (MAGL). Sua concentração no cérebro é aproximadamente 170 vezes maior que a da anandamida, o que sugere que seja o principal endocanabinoide envolvido na neurotransmissão retrógrada mediada por endocanabinoides.

Estudos recentes demonstram que o 2-AG desempenha um papel crucial no desenvolvimento neuronal, na plasticidade sináptica e na proteção contra neurodegeneração. Alterações em seus níveis têm sido associadas a condições como epilepsia, doença de Parkinson e esclerose múltipla.

2.3. Outros Endocanabinoides

Além da Anandamida e do 2-AG, existem outros endocanabinoides com funcionalmente semelhante aos fitocanabinoides:

  • NADA (N-araquidonoil-dopamina): Funcionalmente semelhante ao CBD na modulação da dor e ao THC na interação com CB1, mas não é estruturalmente análogo a nenhum fitocanabinoide específico.
  • Virodamina (O-aracdoniletanolamina): Funcionalmente se assemelha ao CBD na modulação do CB1 e na redução da inflamação, mas não compartilha uma estrutura química direta com ele.
  • PEA (N-palmitoiletanolamina): O PEA é funcionalmente semelhante ao CBD em relação ao alívio da dor e à redução da inflamação, mas sua ação ocorre em receptores diferentes.

3. Conclusão

O Sistema Endocanabinoide representa uma fascinante rede de sinalização molecular que permeia praticamente todos os sistemas fisiológicos do corpo humano. A descoberta dos endocanabinoides e sua semelhança funcional com os compostos da Cannabis abriu um vasto campo de pesquisa e possibilidades terapêuticas que continua em expansão.

Os cinco principais endocanabinoides discutidos – Anandamida, 2-AG, NADA, Virodamina e PEA – demonstram a complexidade e versatilidade deste sistema. Cada um possui características bioquímicas e farmacológicas únicas que contribuem para a homeostase corporal através de mecanismos distintos mas complementares.

A compreensão crescente do sistema endocanabinoide tem revolucionado nossa abordagem a diversas condições médicas, desde dor crônica e inflamação até transtornos neurológicos e psiquiátricos. Ao modular este sistema através de cannabinoides exógenos como os fitocanabinoites da planta Cannabis, novas estratégias terapêuticas estão sendo desenvolvidas com potencial para superar limitações dos tratamentos convencionais.

4. Bibliografia

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