Qual o papel dos médicos, dentistas e outros profissionais da saúde na transformação da vida através do tratamento canábico? E como as Associações de Pacientes influenciam nesse cenário?
Sumário
1. Introdução
2. O Tratamento Canábico no Brasil
3. O Papel do Profissional de Saúde
4. O Processo de Prescrição Médica no Brasil
5. O Papel das Associações de Pacientes
6. O Impacto Social da Cannabis Medicinal
7. O Futuro da Cannabis Medicinal no Brasil
8. Conclusão
9. Bibliografia
1. Introdução
A Terapia Canábica (ou Cannabis Medicinal) no Brasil tem percorrido um longo caminho desde as primeiras autorizações excepcionais para importação em 2014. Hoje, em 2025, vivemos um cenário transformado, com avanços significativos na regulamentação, aceitação social e, principalmente, no acesso aos tratamentos com canabinoides - mas que ainda não é o suficiente para que o tratamento seja acessível a todos. Porém, uma das mudanças mais marcantes ocorreu na forma como o profissional de saúde passou a enxergar essa opção terapêutica.
O que antes era visto com desconfiança e resistência por grande parte da comunidade médica, agora conta com crescente reconhecimento científico e clínico. A demanda por profissionais qualificados nesta área tem aumentado consideravelmente, acompanhando o crescimento do número de pacientes que buscam alternativas ou complementos para seus tratamentos convencionais. Este avanço só está sendo possível graças à expansão do conhecimento médico-científico sobre o Sistema Endocanabinoide e sobre as propriedades terapêuticas dos mais de 500 fitocompostos presentes na planta Cannabis sativa, incluindo fitocanabinoides, terpenos, flavonoides e outros.
2. O Tratamento Canábico no Brasil
Em 2024, de acordo com o anuário da Kaya Mind, o cenário canábico movimentou cerca de 853 milhões de reais, beneficiando mais de 672 mil pacientes em todo o Brasil, desta forma, o papel dos profissionais de saúde mostra-se fundamental para garantir segurança, eficácia e acesso democrático a esta opção terapêutica.
Atualmente, existem três principais vias de acesso aos produtos canábicos no Brasil:
- Importação direta pelo paciente ou pelo responsável legal: através da normativa RDC 660/2022 da Anvisa, que permite a compra direta de produtos do exterior mediante autorização prévia e receita médica. Este método, embora tenha um custo maior devido ao frete internacional e taxa de câmbio, permite acesso a produtos não disponíveis no mercado nacional.
- Compra em farmácias: A RDC 327/2019, que estabelece que os produtos de Cannabis devem ser dispensados exclusivamente por farmácias e drogarias mediante apresentação de prescrição, favoreceu o aumento de produtos registrados, o que, portanto, permitiu que as farmácias se tornassem uma opção acessível, especialmente nos grandes centros urbanos. Entretanto, muitos produtos disponíveis são formulados apenas com CBD isolado, o que pode limitar a eficácia terapêutica para determinadas condições.
- Associações de pacientes: Entidades como a Acuracan desempenham um papel fundamental no acesso democrático ao tratamento canábico, fornecendo produtos de alta qualidade e personalizados conforme as necessidades específicas de cada paciente, a custos significativamente mais acessíveis. O diferencial terapêutico destas associações está na oferta de medicamentos de "espectro completo" (full spectrum), que contêm o conjunto natural de canabinoides, terpenos e flavonoides da planta, proporcionando o chamado "efeito entourage". Esta abordagem frequentemente resulta em uma eficácia terapêutica superior quando comparada aos medicamentos farmacêuticos convencionais que utilizam apenas fitocanabinoides isolados, oferecendo assim uma relação custo-benefício substancialmente mais vantajosa para os pacientes.
3. O Papel do Profissional de Saúde
O papel do profissional de saúde na terapia canabinoide expande-se significativamente. Não são apenas médicos que atuam neste campo, mas uma equipe multidisciplinar que inclui dentistas, veterinários, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, acupunturistas, terapeutas, dentre outros, cada um contribuindo com sua expertise para um tratamento completo. Porém os médicos continuam sendo o principal profissional de saúde prescritor, mas agora com uma visão mais ampla e integrada da cannabis como ferramenta terapêutica. Especialidades como neurologia, psiquiatria, oncologia, geriatria, pediatria, clínica da dor e medicina paliativa têm incorporado cada vez mais os canabinoides em seus protocolos de tratamento.
Os dentistas, após a consolidação da RDC 660/2022, ampliaram significativamente o uso de canabinoides para condições como dor orofacial, bruxismo, ansiedade dental e recuperação pós-cirúrgica. A aplicação odontológica da cannabis tem se mostrado particularmente promissora no tratamento de pacientes com Disfunção Temporomandibular (DTM), condição que afeta mais de 10% da população brasileira.
A medicina veterinária também experimentou avanços notáveis, com produtos específicos desenvolvidos para pets. Condições como ansiedade de separação, dor crônica e epilepsia em cães e gatos têm respondido positivamente aos tratamentos canábicos, ampliando as opções terapêuticas disponíveis para os médicos veterinários.
Um aspecto fundamental da atuação dos profissionais de saúde é a capacitação contínua. Hoje, existem mais de 30 cursos de especialização e pós-graduação em medicina canabinoide no Brasil, além de centenas de workshops e cursos de formação continuada. Universidades como UFPB (pioneira em 2019) e a UFSJ já incluem módulos sobre o Sistema Endocanabinoide em seus currículos de graduação, enquanto cursos de extensão em cannabis terapêutica já são oferecidos em diversas instituições de ensino espalhadas pelo Brasil.
O profissional de saúde capacitado para o tratamento canábico deve estar preparado para:
- Avaliar adequadamente a indicação da terapia canabinoide;
- Conhecer as interações medicamentosas e possíveis efeitos adversos;
- Compreender os diferentes perfis de canabinoides e suas aplicações clínicas;
- Orientar corretamente a titulação de doses (iniciar com doses baixas e aumentar gradualmente);
- Monitorar a evolução do tratamento e fazer ajustes quando necessário;
- Oferecer suporte contínuo ao paciente durante todo o processo.
A orientação adequada do paciente é crucial para o sucesso do tratamento. Muitos profissionais têm adotado diários de tratamento e aplicativos de monitoramento para melhor acompanhar a evolução de seus pacientes.
4. O Processo da Prescrição Médica no Brasil
A prescrição de remédios de Cannabis no Brasil evoluiu consideravelmente nos últimos anos. Em 2025, podem prescrever produtos à base de cannabis os médicos de qualquer especialidade, desde que devidamente habilitados junto aos seus conselhos profissionais. Esta abertura nas normas de prescrição representa um avanço significativo em relação às restrições anteriores, quando apenas algumas especialidades médicas podiam receitar esses produtos.
Ainda persistem alguns preconceitos em relação à prescrição médica da cannabis, mas estes têm diminuído progressivamente conforme aumentam as evidências científicas e o número de casos de sucesso. Um dos principais fatores que contribuíram para essa mudança de perspectiva foi a inclusão do tema em congressos e conferências médicas tradicionais, não apenas em eventos específicos sobre cannabis.
5. O Papel das Associações de Pacientes
As associações de pacientes têm se consolidado como pilares fundamentais no acesso democrático ao tratamento canábico no Brasil. Em 2025, estima-se que existam mais de 250 associações ativas em todo o território nacional (há quem fale em mais de 300), atendendo aproximadamente 86 mil pacientes de acordo com o Panorama Nacional do Setor Associativo da Maconha Medicinal, em levantamento feito em 2024 pela canabicas.info. Essas entidades associativistas surgiram como resposta à demanda crescente por tratamentos acessíveis e personalizados, especialmente diante das limitações do mercado farmacêutico convencional.
Fonte: Panorama Nacional do Setor Associativo da Maconha Medicinal (2024) pela canabicas.info
Essas associações desempenham múltiplos papéis no ecossistema da cannabis medicinal. Além de fornecer remédios personalizados conforme a prescrição médica, elas atuam como centros de informação, suporte e advocacy. Neste sentido, a Acuracan, especificamente, tem se destacado no Rio Grande do Sul como a maior associações do estado, beneficiando direta e indiretamente mais de 6.000 pessoas em todo o território nacional.
O diferencial das associações está na abordagem humanizada e integral do paciente. O processo começa com o acolhimento pela equipe da associação, que esclarece dúvidas sobre o tratamento canábico e, pacientes que ainda não possuem prescrição médica, as associações frequentemente mantêm parcerias com médicos especialistas que podem avaliar adequadamente cada caso.
Além das orientações terapêuticas, os direcionamentos jurídicos, quando necessários, constituem outro pilar fundamental. Enquanto a equipe terapêutica auxilia no acompanhamento do tratamento e na titulação correta das doses (o que não dispensa o acompanhamento médico), o suporte jurídico ajuda pacientes a entenderem seus direitos, especialmente em casos onde seja necessário recorrer ao sistema de saúde público ou privado para a cobertura do tratamento.
Como parte de seu compromisso com o acesso democrático à saúde, a Acuracan implementou um sistema de tratamento solidário que oferece assistência parcial ou integral a pacientes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Este programa opera considerando não apenas as necessidades individuais dos pacientes, mas também equilibrando as limitações operacionais da própria associação, que frequentemente administra recursos financeiros restritos. Todavia, o desafio torna-se ainda maior diante da atual escassez de políticas públicas e programas governamentais de cooperação com estas entidades, criando uma lacuna que as associações buscam preencher, mesmo sem o devido apoio estatal, para ampliar seu alcance assistencial.
6. O Impacto Social da Cannabis Medicinal
O impacto na saúde pública é outra questão que merece ser considerada. Estudos preliminares indicam uma redução no uso de medicamentos convencionais de alto custo em pacientes que adotaram a terapia canabinoide, especialmente no caso de analgésicos opioides, anticonvulsivantes e antipsicóticos. Esta redução não apenas diminui os efeitos colaterais associados a estes medicamentos, mas também representa potencial na redução de custos para o sistema de saúde.
Outro aspecto relevante é a inclusão social de pacientes anteriormente marginalizados por suas condições. Crianças com epilepsia refratária, adultos com doenças neurodegenerativas e idosos com dor crônica agora conseguem participar mais ativamente da vida social e familiar graças ao controle mais efetivo dos sintomas. Isso representa não apenas ganho em qualidade de vida, mas também redução do impacto psicológico e econômico sobre suas famílias.
Uma regulamentação mais clara e o crescimento do número de associações regulares também contribuíram para reduzir o mercado ilegal de produtos canábicos medicinais. Com mais opções seguras e legais disponíveis, os pacientes não precisam mais recorrer a fontes duvidosas, reduzindo riscos à saúde e à segurança jurídica.
7. O Futuro da Cannabis Medicinal no Brasil
As tendências para 2025 apontam para uma expansão contínua do setor de cannabis medicinal no Brasil. Especialistas preveem que o número de pacientes poderá ultrapassar 500 mil nos próximos dois anos, impulsionado por maior aceitação médica, evidências científicas crescentes e redução progressiva dos custos.
O mercado de trabalho para profissionais de saúde neste setor apresenta perspectivas promissoras. Além de oportunidades diretas para prescritores, há demanda crescente por especialistas em formulação de produtos canábicos, pesquisadores, educadores e consultores técnicos.
As expectativas de mudanças na legislação são otimistas. Projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional buscam estabelecer um marco regulatório mais abrangente, que possa incluir a autorização para cultivo nacional em escala industrial, reduzindo a dependência de importação de insumos como extratos e os custos associados. A possibilidade de autorização para cultivo doméstico para fins medicinais também é uma pauta em discussão no judiciário e no legislativo, o que representaria um avanço significativo para pacientes com tratamentos de longo prazo.
Uma das mudanças mais aguardadas refere-se ao acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns estados já iniciaram programas-piloto para fornecimento de medicamentos canábicos a pacientes de determinadas condições, como epilepsia refratária e dor crônica, mas a expectativa é que estas iniciativas se expandam para um programa nacional nos próximos anos. Estudos de custo-efetividade têm demonstrado que, apesar do investimento inicial - e a quebra de paradigmas necessária para que isso ocorra - a inclusão de remédios canábicos na rede pública pode gerar economia significativa no longo prazo para o Estado, reduzindo internações e o uso de outros medicamentos convencionais que são mais caros e, diferente de remédios de Cannabis, apresentam inúmeros efeitos colaterais.
8. Conclusão
O papel dos profissionais de saúde no tratamento canábico tem se transformado e expandido significativamente nos últimos anos. De coadjuvantes receosos a protagonistas de uma revolução terapêutica, estes profissionais são hoje peças-chave para garantir que pacientes tenham acesso seguro e eficaz às possibilidades oferecidas pela terapêutica canábica.
A evolução do conhecimento científico, a expansão das opções de formação e o trabalho conjunto com associações de pacientes têm permitido que médicos, dentistas, veterinários e outros profissionais incorporem esta ferramenta terapêutica em sua prática clínica com crescente confiança e resultados satisfatórios.
O futuro da terapia canábica no Brasil depende fundamentalmente da continuidade deste processo de educação, pesquisa e advocacy. Profissionais de saúde interessados são convidados a ampliar seu conhecimento sobre o tema, participar de cursos especializados e engajar-se no debate público para garantir que as políticas futuras sejam baseadas em evidências e centradas no paciente.
A Acuracan segue comprometida em apoiar tanto pacientes quanto profissionais, oferecendo informações atualizadas, produtos de qualidade e suporte contínuo para todos que desejam explorar os benefícios terapêuticos da cannabis.
9. Referências
- Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. (2024). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 660/2022 e RDC 327/2019 .
- Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal. (2025). Relatório Anual sobre Acesso à Cannabis Medicinal no Brasil.
- Ministério da Saúde. (2025). Diretrizes para Implementação de Programas de Cannabis Medicinal no SUS.
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (2024). Estudo Comparativo sobre Eficácia Terapêutica de Produtos Canábicos.
- Sechat. (2024). Guia Completo da Cannabis Medicinal - 6ª Edição.
- Mechoulam, R., Hanuš, L. O., Pertwee, R., & Howlett, A. C. (2023). Early phytocannabinoid chemistry to endocannabinoids and beyond. Nature Reviews Neuroscience, 15(11), 757-764.
- Universidade de São Paulo. (2023). Mecanismo de ação dos canabinoides: visão geral.
- Kaya Mind. (2024). Anuário do Mercado de Cannabis Medicinal no Brasil.
- Congresso Nacional. (2024). Projetos de Lei, RDC, decisões do Judiciário e outras fontes referentes ao Marco Regulatório da Cannabis Medicinal.